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Consequências contratuais da pandemia COVID-19

Campinas

Diariamente circulam notícias cada vez mais alarmantes a respeito da PANDEMIA do CORONAVÍRUS (“Covid-19”), de modo que medidas emergenciais passam a ser recomendadas ou até mesmo impostas pelo Poder Público aos particulares a fim de conter a veloz propagação da doença que tem potencial para levar o caos à sociedade.

Por outro lado, as medidas em questão trazem riscos colaterais e elevado potencial para causar retrocesso econômico de proporções catastróficas, tornando premente a necessidade de adaptação e busca pelo equilíbrio das relações contratuais mantidas com clientes, fornecedores e parceiros comerciais.

Nesse cenário, o cumprimento e a própria manutenção dos contratos passam a ser colocados em xeque. Mas, a despeito do ineditismo do cenário em comento, a legislação pátria há décadas já dispõe de mecanismos que neste momento podem ser considerados verdadeira redenção.

Pois bem. Uma das principais características dos contratos é a força vinculante, que os torna verdadeira Lei entre as partes, de modo que o descumprimento das obrigações pactuadas geralmente resulta na aplicação de penalidades ao inadimplente, além da responsabilização pela reparação dos danos causados em virtude do inadimplemento.

Há situações excepcionais, entretanto, que permitem relativizar a referida característica (desde que o relacionamento e as partes estejam submetidos à legislação brasileira), eximindo a parte inadimplente das gravosas consequências que um descumprimento contratual poderia trazer-lhe.

Nesse sentido, diante de acontecimentos imprevisíveis e que não estão sob o controle dos contratantes, são aplicáveis as seguintes medidas a fim de se evitar prejuízos àquele que se viu impedido de prosseguir no cumprimento das respectivas obrigações: 1) invocação da ocorrência de “força maior”; 2) resolução do contrato em virtude de onerosidade excessiva.

A invocação da “força maior” mostra-se indispensável para que, independentemente de se manter (ou não) a contratação, a parte inadimplente não venha a responder pelos prejuízos resultantes do inadimplemento das respectivas obrigações, conforme determina o artigo 393, do Código Civil (Lei 10.406/2002), cujo teor segue transcrito:

 

“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”

 

Cumpre esclarecer que caso de “força maior” é um acontecimento relacionado a fatos externos, independentes da vontade humana, que impedem o cumprimento das obrigações e que podem ser decorrentes de: ordem de autoridades (também denominado “fato do príncipe”), fenômenos naturais (raios, terremotos, inundações) etc.

Todavia, como se verifica a partir do dispositivo legal acima transcrito, aquele que invocar a escusa em questão deverá possuir provas de que os efeitos da “força maior” eram de fato imprevisíveis e inevitáveis.

No caso, a pandemia do coronavírus enquadra-se exatamente na definição acima. Ou seja, em virtude das medidas necessárias e/ou determinadas pelo Poder Público para conter a disseminação do coronavírus (como quarentena, alteração de horários de funcionamento de empresas, suspensão temporária de atividades etc.), inúmeros contratos afetados pela impossibilidade de cumprimento das obrigações (independentemente da intenção das partes).

Trata-se se verdadeira excludente de responsabilidade daquele que não tinha meios para prever ou evitar o cenário que o levou à violação do contrato. Todavia, para fazer jus à referida escusa de responsabilidade, deve-se evitar a invocação de pretextos genéricos. É necessária uma análise de cada caso, a fim de identificar se, de fato, as medidas em questão representam impedimento real e comprovado que justifique a impossibilidade de cumprimento do dever contratualmente assumido.

Igualmente, caso o mencionado impedimento, embora real, seja temporário, não há motivos para manter perene o estado de inadimplência. Quando possível, o cumprimento da obrigação deverá permanecer suspenso pelo tempo em que perdurar o impedimento, a não ser que o atraso (em si) resulte na necessidade de rescisão do contrato.

Aliás, na hipótese em que o impedimento se revele definitivo ou a obrigação não possa ser cumprida em outro momento futuro, recomenda-se até mesmo a rescisão do contrato, restabelecendo-se, sempre que possível, o cenário anterior à contratação (incluindo a devolução de eventual contraprestação recebida).

Todavia, conforme disposto no “parágrafo único” do mencionado artigo 393, do Código Civil, as soluções acima mencionadas não se aplicam à parte que expressamente se responsabilizou pelos prejuízos decorrentes do caso de força maior.

Por esse motivo, é indispensável a atenta análise do contrato, a fim de identificar as condições gerais do negócio e quais obrigações foram efetivamente assumidas pelas partes contratantes. Há contratos, inclusive, que preveem expressamente quais fatos se moldam (ou não) como de “força maior”, podendo até mesmo haver disposição sobe renúncia ao direito de exoneração do cumprimento de determinada obrigação, de modo que a parte passa a assumir voluntária e integralmente eventuais riscos.

A referida análise, por certo, também deve levar em conta a função social do contrato e a boa-fé objetiva das partes, que equivalem a princípios de grande importância para a definição de obrigações e responsabilidades contratuais.

De acordo com os referidos princípios, até mesmo a data da celebração do contrato é uma informação indispensável para que seja invocada a escusa da “força maior”. Tomemos como exemplo, pois, um contrato de fornecimento de álcool em gel a hospitais, firmado em meio às notícias da pandemia do coronavírus.

Caso a fabricante tenha aceitado expressamente os respectivos encargos e esteja ciente das dificuldades de manter a respectiva produção, é impróprio que a existência da pandemia, por si só, possa ser invocada como motivo para o descumprimento da obrigação de fabricar o mencionado produto, até porque o requisito da imprevisibilidade não estaria preenchido.

Por outro lado, ainda no exemplo acima, caso sejam adotadas pelo Poder Público medidas radicais como toque de recolher, afetando o deslocamento dos funcionários e o funcionamento da fabricante, mostra-se possível a invocação da excludente de responsabilidade por eventuais danos decorrentes do inadimplemento contratual ante a evidente falta de controle da parte para superar o obstáculo em questão.

Contudo, ainda que a pandemia não impeça a realização das atividades assumidas por uma das contratantes, é possível que as circunstâncias fáticas venham a afetar o equilíbrio contratual, tornando extremamente desvantajoso (sob o ponto de vista financeiro) o prosseguimento da relação negocial.

Em tal hipótese revela-se aplicável a segunda medida objeto do presente artigo, possibilitando à parte prejudicada (pelo desequilíbrio entre as obrigações contratuais) a resolução do contrato em virtude de onerosidade excessiva.

Trata-se de medida disposta no artigo 478, do Código Civil, cujo teor segue reproduzido abaixo:

 

“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”

 

No caso, a pandemia do coronavírus pode perfeitamente ser enquadrada na definição de “acontecimento extraordinário e imprevisível”.

Todavia, para que uma das partes promova a resolução do contrato sob a guarida da mencionada regra, é necessário comprovar que os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis resultaram “ônus excessivo” para uma parte e, ao mesmo tempo, “extrema vantagem” para a outra parte.

Como exemplo, podemos considerar os contratos que contemplem o fornecimento continuado de materiais. Em tais casos, se situação extraordinária em comento causar aumento desproporcional dos custos envolvidos em tal fornecimento, reduzindo (ou até mesmo anulando) o lucro do fornecedor e, ao mesmo tempo, trazendo à parte contrária uma situação de vantagem (em comparação com os preços praticados pelos demais fornecedores), mostra-se cabível a resolução unilateral da avença, sem que se aplique qualquer penalidade ou ônus pelo término do relacionamento.

Finalmente, cumpre destacar que embora seja perfeitamente compreensível a busca das empresas pela redução de despesas e exoneração de responsabilidades ante os receios e incertezas que predominam neste momento, não se recomenda a genérica e indiscriminada invocação dos conceitos aqui mencionados, sob pena de aumentar ainda mais o caos que se pretende evitar, especialmente em termos econômicos.

Por esse motivo, embora os mecanismos acima mencionados estejam à disposição de todos, é sempre recomendável que as partes contratantes busquem renegociar as respectivas obrigações, valendo-se da boa-fé e de meios alternativos para manter o relacionamento e o equilíbrio contratual.

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